Quando o mundo entra em luto...
- Diogo Ezequiel Peroni
- 22 de abr.
- 4 min de leitura
reflexões psicológicas sobre a morte do Papa Francisco

A morte de figuras públicas com forte carga simbólica, como a do Papa Francisco, reverbera de forma íntima e profunda em muitas pessoas ao redor do mundo. Mesmo sem contato direto com ele, muitas pessoas se sentiram atingidas por uma dor genuína, como se tivessem perdido alguém próximo. E essa experiência tem nome e significado na psicologia: luto coletivo.
Esse tipo de luto acontece quando uma perda pública se conecta a vivências pessoais e simbólicas compartilhadas socialmente. Para Freud, o luto é um processo psíquico necessário, uma espécie de digestão emocional que nos permite desligar do objeto perdido. O curioso, porém, é que esse "objeto" nem sempre precisa ser real ou íntimo. A projeção afetiva, comum em figuras de autoridade moral e espiritual, faz com que criemos vínculos inconscientes com essas pessoas. Com elas, perdemos também partes nossas — esperanças, valores, imagens ideais.
Com Francisco, essa ligação simbólica se intensificava. Ele não foi apenas o líder máximo da Igreja Católica; ele foi, para muitos, uma referência ética e amorosa em tempos sombrios. Um homem que escolheu a simplicidade, que lavava os pés de imigrantes e se referia à Terra como “nossa casa comum”. Alguém que, com gestos pequenos, falava das coisas grandes. Como ele mesmo disse certa vez:
"A verdadeira força está na ternura com que se cuida dos outros."
Na visão junguiana, ele pode ser compreendido como a manifestação viva de um arquétipo do Velho Sábio, aquele que oferece direção, segurança e acolhimento espiritual. Sua morte nos confronta com o fim desse símbolo, e isso desperta uma sensação de desorientação, uma quebra do eixo. Somos lembradas e lembrados, mais uma vez, da finitude... da nossa finitude! E da necessidade de encontrar esse eixo dentro de nós.
A psicologia corporal, por sua vez, nos convida a olhar para esse impacto não só com a mente, mas com o corpo. Alexander Lowen, em Viver o seu morrer, fala sobre como evitamos o tema da morte porque evitamos sentir. Segundo ele, viver com plenitude exige encarar a própria finitude. O medo da morte está, muitas vezes, na raiz de bloqueios emocionais e tensionamentos musculares crônicos. Quando uma morte simbólica nos atinge — como a de uma figura pública que admiramos — pode ser uma chance rara de entrar em contato com a própria vulnerabilidade.
Mas não é só a psicologia ocidental que nos oferece caminhos. Na tradição africana de matriz iorubá, por exemplo, a morte não é vista como ruptura, mas como passagem. Os mortos seguem presentes como ancestrais, nos guiando e nos protegendo. A dor existe, mas vem acompanhada da ideia de continuidade. O mesmo pode ser visto nas tradições budistas, que entendem a morte como transformação, parte inevitável do ciclo da impermanência. Nessas visões, não há ruptura entre o espiritual e o humano, entre o simbólico e o concreto. O luto se torna ritual, e o ritual se torna cura.
Papa Francisco, o Luto Coletivo e a Psicologia do Sentir

Com sua escuta, seu silêncio e suas contradições, Francisco representava algo maior: o desejo de um mundo mais justo, menos hostil. Sua ausência ressoa porque, de algum modo, ela também fala de nós. Daquilo que ainda não conseguimos ser. Daquilo que desejamos conservar.
A morte dele nos lembra que a humanidade tem sede de conexão, de significado, de afeto verdadeiro. Que precisamos uns dos outros. Que perdas, por mais difíceis que sejam, também podem abrir espaço para revisitar os valores que nos guiam.
Embora a psicologia não se proponha a ocupar o lugar da fé, ela pode caminhar ao lado da espiritualidade humana — essa busca de sentido que ultrapassa o visível, que acolhe as perguntas sem resposta, que se nutre do silêncio e da presença. Nesse ponto de encontro entre o sensível e o simbólico, o luto coletivo deixa de ser apenas dor e se transforma em travessia. Um convite para olharmos não só para quem partiu, mas para quem queremos nos tornar.
A psicologia, nesse momento, pode não oferecer respostas definitivas — mas pode oferecer um espaço de acolhimento, de escuta e de atravessamento. Sentir dor não é fraqueza. É humanidade. E cuidar do que sentimos é, talvez, a forma mais profunda de honrar quem se foi — e também quem ainda vive em nós.
Se essa perda te tocou de forma mais profunda, talvez seja um bom momento para olhar para dentro com cuidado e apoio profissional.
Estou por aqui, disponível para escutar.
Quer se aprofundar?
Sugestões de Leitura e Referências:
Freud, Sigmund – Luto e Melancolia (1917).
Jung, Carl Gustav – O Homem e seus Símbolos (1964). Edição disponível em livrarias e bibliotecas.
Lowen, Alexander – Viver o seu morrer (Summus Editorial). Reflexões profundas sobre corpo, medo da morte e entrega à vida.
Papa Francisco – O nome de Deus é misericórdia (Planeta). Reflexões sobre espiritualidade, perdão e humanidade.
Sobonfu Somé – Rituals: The Heart of Community (New World Library). Uma das vozes mais potentes da tradição africana no diálogo com o Ocidente.
Thich Nhat Hanh – No Death, No Fear (Riverhead Books). Ensinamentos budistas sobre a impermanência e o luto.